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9 agosto 2016 | 00h00

Fraternidade e cooperação como ideais políticos

Brasil pode ser exemplo mundial de desenvolvimento sustentável, inclusivo e colaborativo, embora haja um grande caminho a trilhar

Por João Francisco Araújo Maria


A crise atual no Brasil também expressa o déficit de formação de lideranças nas novas gerações. O Brasil precisa incentivar a formação de quadros baseados em propósito e com capacidade técnica. As marcas da ditadura militar de 1964 se estendem para a Nova República e as novas gerações.
Perguntado sobre a baixa qualidade do Congresso, Ulysses Guimarães respondia: “Espere ver o próximo”. Recentemente, ao conversar com um constituinte, ele me comentava como cidadãos, ao avistarem no aeroporto uma roda de congressistas do porte de Ulysses Guimarães, Mário Covas, Tancredo Neves, Miguel Arraes, Lula, Fernando Henrique Cardoso, Marcos Freire, Pedro Simon, dentre outros, acenavam de longe com admiração e orgulho. Hoje em dia, parlamentares tiram seu broche de congressista, com vergonha e receio, ao entrarem no avião.


Escassez de lideranças
O problema possui uma dimensão política e outra técnica, que dialogam. Atualmente, os melhores quadros da minha geração não querem ir para o setor público - seja como políticos ou tecnocratas - gerando uma seleção adversa no Brasil. O setor público não consegue atrair nossos melhores quadros como deveria. Por paixão pelo Brasil e vocação pela área pública resolvi trabalhar, inicialmente, no terceiro setor e, posteriormente, como servidor público na carreira de gestor federal (EPPGG). Como ativista e membro da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), me candidatei a deputado distrital nas eleições de 2014 no DF pela Rede Sustentabilidade. Acredito que precisamos reverter essa lógica e sempre me atraiu essa coisa de tentar mudar o mundo.  


Passada a eleição e não tendo sido eleito, achei que se abria uma oportunidade para buscar aprofundar minha formação em uma perspectiva técnica e de valores, com um distanciamento que me ajudaria a olhar o Brasil. Acredito que para mudarmos nosso país precisamos unir as dimensões ética e técnica. Nosso déficit é de política com propósito e de política públicas eficientes e efetivas.


Achei que o mestrado em políticas públicas (MPP) da Blavatinik School of Government na Universidade de Oxford proporcionava essa formação completa que eu buscava. Além do ambiente intelectualmente estimulante que uma das principais universidades do mundo proporciona, o caráter internacional do curso me chamou atenção: somos 117 estudantes de 55 países.


Em uma sociedade globalizada, os problemas possuem semelhanças, fazendo-se necessário um olhar para as melhores práticas e soluções que já existem mundo afora. Além disso, o MPP possui como objetivo desenvolver nos estudantes cinco habilidades principais, que fazem a necessária ponte entre política e políticas públicas. São elas: possuir foco em evidências, ser um analista crítico, desenvolver excepcionais capacidades comunicativas, trabalhar colaborativamente com seus pares e ser aberto para inovação e novos desafios. Fortalecer essas habilidades era o objetivo transversal dos diversos cursos que tive em áreas como economia, filosofia, ciência política, avaliação de políticas públicas, ética, ciência e políticas públicas, governando na era digital, dentre outras.


Essa formação não teria sido possível sem a bolsa de estudo e suporte generoso do Instituto Arapyaú, da Fundação Lemann e da RAPS, que me permite mergulhar nesse universo de possibilidades que a Universidade de Oxford proporciona. Com tanta coisa acontecendo no Brasil, difícil foi manter o foco e a concentração aqui. Mas a crise atual servia como um lembrete constante: toda essa formação só faz sentido se for para voltar e ajudar o Brasil a concretizar suas potencialidades.

Vontade de transformar
Acredito que o Brasil pode ser exemplo mundial de desenvolvimento sustentável, inclusivo e colaborativo, apesar da longa estrada a ser trilhada ainda. Percorrer essa estrada é o que me estimula a voltar ao Brasil e me engajar novamente na política e na área pública. Trarei comigo o conhecimento técnico aprendido em Oxford, sabendo que só o diálogo com nossos diversos saberes locais poderá gerar respostas efetivas. É esse diálogo com a realidade que fortalece as causas – ativo mais importante para mudar a política.  


É preciso juntar causa e capacidade, ética e técnica, propósito e eficácia. A causa que me moveu a querer aprofundar minha formação é a necessária atualização das nossas instituições políticas e do nosso modelo de desenvolvimento. Frente às exigências colaborativas que a sociedade digital clama, precisamos resgatar a fraternidade e a cooperação como ideais políticos da sociedade em rede do século XXI. Frente ao reconhecimento da insustentabilidade ambiental do atual modelo de desenvolvimento - predatório e excludente de populações tradicionais - faz-se necessário criar incentivos corretos para a construção de uma economia e uma sociedade sustentável e de baixo carbono.


Meu período de formação durante meus estudos em Oxford está me ajudando profundamente a consolidar essas causas e ampliar minhas habilidades técnicas. O mestrado está também me proporcionando conhecimento analítico, ferramentas de gestão modernas, reflexões comparativas internacionais e contato com uma rede de idealistas em todos os cinco continentes. Tudo isso só foi possível pela generosidade e aposta nas novas gerações feitas por estas organizações preocupadas com o Brasil, como a RAPS, o Instituto Arapyaú e a Fundação Lemann. Sou imensamente grato por todo o apoio dado. O trabalho dessas organizações ajuda a mudar a visão e as apostas das novas gerações. Com isso, investem no melhor ativo que o Brasil possui para mudar a si mesmo: sua gente e seu povo.


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João Francisco Araújo Maria é Lemann Fellow e Líder RAPS. Ele está fazendo um mestrado em Políticas Públicas na Blavatnik School of Government (Universidade de Oxford) com bolsa de estudos oferecida por uma parceria entre Fundação Lemann, RAPS e Instituto Arapyaú.

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